Ilvio Amaral e Maurício Canguçu Foto de Raquel Guerra |
Quem acompanha minimamente esse blog já conhece a ladainha, mas vou repetir o que sempre digo quando o texto pode ter meio que a cara de uma “crítica”. Não tenho essa pretensão, nem mesmo a formação para ser crítico de artes. Toda vez que falo de uma peça, um filme ou mesmo um livro, estou falando como mero espectador, com o único diferencial de ter estado muitas vezes “do outro lado do balcão”, seja como produtor, diretor, dramaturgo ou escritor. Isso talvez influencie o meu jeito de consumir arte, alguém mais observador, técnico e com olhar de aprendiz. Sim, porque observar tecnicamente meus colegas foi o meu maior aprendizado e o que me permitiu um dia pular pro outro lado do tal balcão.
Bom, a intenção hoje não é falar de mim, mas contar como foi
assistir a “Maio, Antes Que Você Me Esqueça”, peça em cartaz no Teatro da
Biblioteca Pública, na nossa maravilhosa Praça da Liberdade, aqui em Beagá. Estou
escrevendo na expectativa de motivar você a fazer essa mesma imersão e
acredito que o público que vai ao teatro e se informa antes de fazer suas
escolhas não quer saber de muita explicação ou justificativa. Muito menos de spoiler.
Seja em busca de lazer ou reflexão, acho que o interesse primordial está na emoção, no
potencial de envolvimento e transformação que o espetáculo reserva.
Direto ao ponto, posso começar dizendo que "Maio, Antes Que Você
Me Esqueça” é um espetáculo necessário ao tratar de tema como Alzheimer, provavelmente
a mais popular no rol das demências senis cada vez mais presentes em uma
sociedade que envelhece. Infelizmente esse benefício da
longevidade não é diretamente proporcional à saúde mental da população. É cada
vez mais difícil encontrar qualquer grupo familiar ou afetivo onde esse não seja assunto recorrente. É, precisamos falar sobre isso, não há como
varrer pra debaixo do tapete algo tão urgente. Nesse aspecto precisa ser
destacada a figura do autor e também diretor da peça. Jair Raso é a pessoa certa
no lugar certo. Respeitado médico neurocirurgião, une a capacidade e conhecimento científico do profissional de saúde à sensibilidade do artista, conduzindo a história com emoção e
verdade.
Aliás, verdade pode ser a palavra chave do espetáculo, uma
vez que o seu ponto alto está justamente nas interpretações realistas. Ilvio Amaral e Maurício Canguçu, ícones da comédia no Brasil, mostram a mesma boa forma ao se envolver na representação de um drama. Claro que o espetáculo apresenta momentos de alívio cômico, ambiente onde eles são mestres absolutos, mas não é esse o movimento principal da peça. "Maio, Antes Que Você Me Esqueça" é primordialmente um drama, por vezes até pesado. Não tem como ser diferente disso diante da responsabilidade de abordar tão grave problema social e de saúde.
Evitando os spoilers, a descrição do que acontece em cena pode ser resumida como um acerto de contas entre pai e filho na oportunidade em que são obrigados a passar a noite juntos.
Maurício Canguçu faz o filho, um poço de ressentimentos que se desdobra em emoções conflitantes. Suas contradições emotivas, ao passar a limpo as mágoas de uma vida inteira diante de alguém agora tão fragilizado e dependente, comove e por vezes assusta o público justamente pela verdade que a sua atuação imprime.
Ilvio Amaral é o surpreendente pai em cena. Todo o vigor do ator se recolhe para dar lugar ao homem frágil e confuso, que busca encontrar algum sentido no momento atual enquanto vive o passado com desconcertante lucidez. É com certeza uma das melhores, senão a melhor composição de personagem idoso que eu já vi. No teatro, o "velho" pode facilmente virar uma caricatura, mas Ilvio dribla essa possibilidade com interpretação detalhista, milimetricamente executada.
É isso, Ilvio e Maurício nos fazem acreditar naquele embate cênico e a "verdade", palavra chave do espetáculo, revela-se mesmo o maior mérito de "Maio, Antes Que Você Me Esqueça".
E aí, deu certo? Atingi o meu propósito motivador? Ficou a fim de ver? Então não perde tempo, esse o último final de semana da temporada no Teatro da Biblioteca Pública. Depois, vai saber quando é que volta em cartaz. Olha que a agenda dessa dupla não é mole não viu... Anota aí, sexta e sábado às 21h e domingo às 19h.