Marcus Labatti, Gustavo Werneck e Alexandre Toledo, elenco de ARTE |
Mas, sou um consumidor - menos do que já fui e menos
do que gostaria - mas, ainda assim, um consumidor atento, com o bônus de já ter
estado, e muito, do outro lado do balcão. Produzi bastante na área cultural,
sobretudo teatro. Até me orgulho de ter participação em alguns sucessos, seja como produtor, diretor ou autor.
Introdução como sempre grande e repetida pra só então entrar no assunto: O espetáculo ARTE, em cartaz no Teatro da Cidade, em Beaga, agora na programação da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança. Queria ter escrito aqui no blog assim que assisti (na estreia), mas a nossa velha conhecida procrastinação empurrou até hoje. Escrever no calor da emoção é bem mais legal, ainda mais pra quem só pode mesmo se basear e se motivar na emoção, pelos motivos já citados acima.
Enfim, ARTE tem como mote uma discussão meio clichê
em artes plásticas. Afinal, o que é arte? O que qualifica uma obra valer
milhões e outras tantas serem comercializadas apenas cobrindo o preço da tela e
da tinta? Se meu filho de cinco anos pode fazer
igual, porque esse desenho do Picasso custa tão caro?
Pessoalmente, acho que no espetáculo essa discussão
é apenas o estopim pra algo muito mais cotidiano e que, por ser tão cotidiano,
encontra total identificação com a plateia. A ARTE tratada em cena é outra. No
palco, três atores nos falam da arte dos relacionamentos, das amizades, e das
pinceladas de verniz que cobrem toda convivência.
Sem dar spoiler, pois isso faz parte da divulgação e
pode ser lido em qualquer release, a história começa com a compra de um quadro
por um dos personagens, que paga por ele um valor altíssimo. Pequeno detalhe:
Este quadro é totalmente branco. Movido pelo perigosíssimo “sincerídio”, o
primeiro amigo para quem ele orgulhosamente apresenta a obra resolve dar a sua
opinião verdadeira. E essa verdade vem adornada por extrema agressividade. O
segundo amigo torna-se o fiel da balança. Vamos lá, vamos ver o que ele
acha. E aí, sabe aquela pessoa vaselina? Pois é, forma-se então o cabo de guerra num
triângulo nada amoroso.
Eu sei que não existe esse gênero, mas pra mim ARTE
poderia ser definida como uma “comédia chic”. Comédia porque a gente ri da primeira
à última cena, um riso de identificação, de se perceber nas situações
apresentadas, e “chic” porque o humor vem embalado numa certa “erudição”. No
desenvolvimento da peça, os ânimos vão se exaltando de maneira tal que o verniz
social acaba não resistindo a tantas trincas e o pau quebra com força.
Embora em nenhum momento o texto identifique de onde surgiu a tripla amizade (que
já dura 20 anos) muita roupa suja precisa ser lavada e a discordância sobre o
quadro abre a torneira.
Esse humor, com a dose referida de complexidade, é
bem realizado e catártico graças ao trabalho harmônico dos três atores que
compõe o elenco. Gustavo Werneck, Alexandre Toledo e Marcus Labatti se revezam
no protagonismo, cada um com seus momentos de condução da ação. Aí também dá
pra sentir a mão experiente do diretor Sérgio Abritta, cujo maior mérito no
espetáculo talvez seja ter conseguido nivelar as interpretações com a régua bem
no alto, não deixando que se criasse nenhuma brecha ou escorregão, as famosas “barrigas”
tão comuns no andamento cênico.
Pra entender
melhor todo o jogo, só indo ver de perto. Recomendo demais e alerto que
você não precisa ter medo de uma enfadonha discussão "teórica socioantropológica".
Nada disso. Você vai é se deparar com a sua própria vida e os encantos e
desencantos da convivência entre amigos. Seus amigos.
Onde? Teatro da Cidade, de quinta a domingo, do dia 30/01 a 16/02. Quinta a sábado ás 20:30 e domingo às 19h.