Vou muito ao teatro, por lazer e dever. Atualmente mais por lazer, já que o dever está meio no subjetivo, aquele caso que a gente vai porque é do meio, mas não com tanta obrigação quanto, por exemplo, quando é jurado de prêmio.
Nessas andanças culturais dei com os costados no Teatro Kléber Junqueira, espaço diferenciado que é um caso à parte em BH, geograficamente até meio fora do circuito. Talvez futuramente seja tema de comentário em um outro post aqui no blog. Só prá adiantar, gosto muito da proposta toda da casa.
Fui lá porque queria ver "Bent". Tinha muuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiitos anos que queria ver uma montagem dessa peça, que em alguns rasgos de entusiasmo cheguei a pensar em produzir. Mas, como na piada, sou assim. Se tenho vontade de trampar pesado, fico quietinho que aí a vontade passa.
Este texto, sucesso nos EUA e em filme, foi um dos maiores, senão o maior trunfo do diretor paulista Roberto Vignati, com quem tive a oportunidade de trabalhar em duas ocasiões. Com seu sotaque característico, Vignati falava toda hora de "Bent", sempre com orgulho e bem feliz dos resultados financeiros. Outros tempos caro Vignati...
Bom, muita enrolação prá chegar na história. Um homossexual, preso num campo de concentração nazista, desenvolve uma paixão/amor por um judeu. Este também homo, mas dentro do armário. Pois é, em campo de concentração valia mais a pena ser judeu que gay. Prá quem não conhece este lado da história, os gays, que nem eram "gays" naquela época, foram tão perseguidos pelo regime de Hitler quanto os judeus. Talvez até mais, por serem considerados os últimos na cadeia evolutiva dentro de tão brilhante ideologia. Em vez de estrela amarela no uniforme, triângulo rosa. Bonitinho né?
Kléber Junqueira (é, o nome do ator é o mesmo do teatro) e sua trupe desenvolvem o espetáculo com emoção pouco vista nos palcos atuais. Com um elenco de apoio afinado, ele e Vinicius di Castro (respectivamente o judeu gay no armário e o assumidíssimo com triangulo rosa na camisa), envolvem a platéia no jogo de sedução, e depois amor, em performances memoráveis, carregadas de verdade.
Na cena mais badalada da peça, eles transam sem se tocarem, uma vez que o contato físico era proibido e vigiado. É um momento muito legal, com boa pegada de erotismo. Não deixa de ser engraçado ver senhoras sentadinhas ouvindo os caras dizerem pau, e o que fazer com ele, até atingirem o orgasmo. É curioso observar, mas aqui, não tem nada de chulo viu, na verdade tudo soa muito poético. Fato é que, o que em outros tempos foi algo criativo e surpreendente, naturalmente hoje ganha novos contornos. Isso porque na época transar era no pega prá capar mesmo né, e hoje muuuiiita gente faz sexo sem se tocar. Alguns inclusive SÓ fazem assim. Os orfãos do 145 e usuários de chats de sacanagem de internet sabem bem o que eu tô dizendo. Agora, de forma alguma isso desqualifica ou enfraquece este momento, que com certeza é um dos pontos altos do espetáculo. Confesso que fiquei até um pouquinho sem graça de lembrar disso durante a peça, me senti meio fútil diante de tanta carga dramática. Mas fazer o que, pensei uai...
Enfim, "Bent" é necessário. Não fosse pela belíssima produção, esmerada não somente no que diz respeito ao elenco, mas também em todo o entorno de cenários, figurinos, iluminação e trilha sonora, valeria pela bandeira que levanta. Ééééé gente, precisa levantar bandeira sim. Em um tempo onde cada vez mais se procura tapar o sol com a peneira, precisa ser dito que iguais são tratados como diferentes.
Não adianta a Revista Veja estampar em matéria de capa que não existe preconceito e que jovens convivem bem socialmente com a homossexualidade. Não adianta a Rede Globo fazer materinha com pais e mães que "aceitam" a "condição" de seus filhos. Tá certo, pelo menos hoje uns põe a cara prá bater, e em circulação de mídia nacional. Mas isso, de forma alguma, reflete a realidade. Tentativas descaradas de esvaziar a militância, justamente diante de possibilidades concretas de conquistas, precisam do contraponto de obras como "Bent".
É datada? Ram-ram, lê jornal. Existe país implantando até pena de morte para quem tem como crime somente o fato de amar, ou no português rasgado, TER TESÃO por alguém do mesmo sexo. E aqui, no mesmo Brasil das materinhas cor de rosa, jornalzinho fuleiro e anonimo de universitários manda jogar bosta em gays no campus. Aí vem a Veja com pesquisa feita sei lá com quem dizer que os mais novinhos nâo vêm em sua sexualidade motivos de luta, mas sim algo natural. Uai, isso aí todo mundo sabe, só falta combinar com os homofóbicos. É bem hilário ver pessoas candidatas ao troféu cabeça boa por terem amigos gays dizerem que tudo bem, mas seja discreto. Tomá no sul né não? Discreto por que, se não tem nada demais?
Aff, quebra de promessa de posts curtos. Terminando este quase seminário, fica a dica-recomendação-indicação-intimação. Se você ainda não viu "Bent", não perca mais tempo. Só rola hoje e amanhã às 8 horas da noite. O Teatro Kléber Junqueira fica na Rua Platina, 1827, no Calafate. Para de preguiça, fui de ônibus, você também pode ir uai. Pro povo que não é de BH e só tá a passeio, melhor pegar um taxi, fica baratinho.
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Be-a-bá demais? Né não, muita gente falou dessa dificuldade e saiu sem deixar recado. Agora todo mundo pode! :-)