Começo este post manifestando um grande arrependimento, fruto da minha procrastinação. Venho tendo boas ideias para escrever, e até mesmo vontade. Maaasss, como bom procrastinador, fico quietinho até a vontade passar.
O meu arrependimento se deve ao tema que resolvi escrever hoje. Explico: Tudo o que eu tinha pensado antes, e não postei, de certa forma seria a pavimentação de um caminho pra chegar até aqui. Acho então que a coisa vai ficar meio de trás pra frente, ou seja, ainda vou voltar aos tais assuntos.
Sem mais enrolação, o caso é o seguinte. Sábado eu fui à estreia de um espetáculo. Claro, estava com preguiça de ir, como de resto sempre tenho preguiça de sair de casa, seja para o que for. De mais a mais, havia também um certo medo em relação à peça. Temia que fosse chata e, pior, que me desse sono. Existe coisa pior do que ter sono dentro de cinema ou teatro? A gente começa a pescar, fica vigilante em excesso pelo medo do ronco e todo este esforço gera um mal estar sem tamanho. Por outro lado, toda a discussão proposta pelo texto e pela montagem eram um incentivo, uma vez que, como dá pra perceber pelo início do post, tinham a ver com minhas elocubrações atuais.
Felizmente, nessa batalha entre a preguiça e a curiosidade, venceu a segunda, e eu fui. Vou muito ao teatro, todo mundo sabe, por prazer ou dever. Pois tenho a declarar solenemente que, poucas vezes nos últimos tempos, acertei tanto em uma decisão. "Um Inimigo do Povo" é simplesmente sen-sa-ci-o-nal!
Você é um homem livre? Essa provocação vem permeando toda a divulgação da peça, e eu te convido a refletir aqui e lá no Teatro Marília: Você, que me lê, é um homem livre? Pois eu digo, de todas as pessoas que conheço, talvez eu seja hoje a mais livre. Mesmo assim constato, lamentavelmente, que estou longe de poder bater no peito e declarar total liberdade. E olha que batalhei e batalho por isso. Não foram poucas as coisas das quais abri mão em nome desse valor maior. Tá, no momento paro por aqui, porque o assunto não sou eu, mas a peça. Depois, no caminhar daquelas conversas que deveriam ter precedido essa, a gente, quem sabe, volte nesse assunto.
"Um Inimigo do Povo" pra mim, trata justamente disso, da possibilidade, melhor, da impossibilidade de ser livre. É teatro político da melhor qualidade e, antes que você diga que não gosta de política, vou lembrando que todo mundo vive política o dia inteiro. Difícil algum ato cotidiano que não seja político. Pois é, acontece que a política mais identificada pelo senso comum é essa aí, da luta pelo poder, que talvez você não goste, ache suja. Mas o jogo é esse, mostrá-la suja justamente pra que você não goste, e então os que optaram por chafurdar na lama possam se aproveitar a vontade. Acorda! Precisamos arregimentar os mocinhos, porque bandido já tem demais.
Então, voltando à peça e suas impossibilidades. Como general da banda vem o Senhor Dinheiro, aquele que faz e acontece. Pois é, ao contrário do que muito se ouve falar, o dinheiro não tira a liberdade de ninguém, pelo contrário, é talvez o maior aliado de quem se pretende livre. O problema não é ter o dinheiro, mas sim ganhá-lo. Imagina só, você, por um golpe de sorte, é um rico herdeiro ou amealhou uma boa fortuna, o suficiente pra viver dos rendimentos. Essa fortuna te liberta. Então tá, o sujeito é rico, logo é livre. Ram, capaz! E as milhões de convenções e obrigações sociais? As relações familiares, a camaradagem entre amigos... Tem como ser livre atrelado a essas condições? E a vaidade, o pecado predileto do diabo? Salvo raríssimas exceções (devem existir, embora eu não conheça) todo mundo é prisioneiro da vaidade, porque quer ser admirado ou, no mínimo, quer ser aceito.
Tudo isso está ali, em "Um Inimigo do Povo". A peça começa devagarzinho, mas um devagar agradável, que não pesa seus olhos. É legal ver a linguagem mais rebuscada dos diálogos, ir descobrindo aos poucos os personagens e como vai se desenvolver a trama. Depois é um crescente, daqueles que não se consegue determinar onde começou. Dessa decolagem sem marca evidente em diante, a coisa pega fogo e os diálogos, super inteligentes, se tornam embates de interpretações vigorosas, raras de se ver hoje em dia. Tá, o elenco não é completamente homogêneo, mas prefiro citá-lo genericamente. Sou livre, mas não sou sacana. :)
Alguém pode virar e dizer: Ichhhh, mas esse texto é velho demais! Embora eu teoricamente "desconcorde", porque obviamente clássicos não têm idade, também tive medo de ver um espetáculo datado. Outra agradável surpresa, porque o tema é super pertinente, justamente para este momento que vivemos agora, e a feliz adaptação do texto, aliada à direção, faz com que pareça ser algo escrito hoje, ou melhor, há uns meses atrás, pra dar tempo de ensaiar né?
Para concluir, certamente não estarei praticando nenhum spoiler ao citar uma frase da peça, uma vez que é provavelmente a mais conhecida do original: "O homem mais poderoso do mundo é aquele que está mais só". Diante de tudo o que já foi dito aqui, esta torna-se uma verdade verdadeira. Liberdade é poder, e para ser livre, livre de verdade, é preciso estar só.
Em uma palavra, "Um Inimigo do Povo" é arrebatador. Vencido pela timidez, não expressei ao vivo, da platéia, o que desengasgo agora:
BRAVO!
"UM INIMIGO DO POVO" - De quinta a sábado às 20h30; domingos às19h até 27/11/2011. Teatro Marília, Avenida Alfredo Balena, 586 - Centro - BH.